O III Encontro Internacional de Imagem Contemporânea homenageia o artista Francisco de Almeida. Toda a identidade visual do encontro, desenvolvida por Tobias Gadae, toma como referência a obra de Francisco.

O EIIC abre a programação com o lançamento da exposição Francisco de Almeida, no dia 26 de fevereiro, na Sem Título Arte.

A COSMOGONIA DE FRANCISCO

Desde os gregos, cosmogonia (kosmogonía) é uma narrativa sobre a origem ocasionada por forças vitais. A palavra surge da junção de cosmo (kosmo) e gonía. Cosmo é arranjo, ordem das coisas, princípio regulador, constituição do mundo ou mesmo o próprio mundo. Gonía, que também está, por exemplo, em teogonia (theogonía), ou seja, geração dos deuses, tem a ver com procriação, com sêmen e órgãos genitores, com vir a ser.

Há tempos imemoriais e por todos os cantos deste planeta inventamos cosmogonias. Digo inventamos porque estas narrativas não são exclusivas dos iniciados em qualquer que seja a ordem! Apesar de que, é bom que se diga, costumam reivindicar para si esse poder de narrar e regular a vida dos outros (....)

A Obra de Francisco de Almeida é uma dessas cosmogonias. O gravurista cearense teve suas gravuras expostas em mostras individuais e coletivas no Brasil e no exterior e seus trabalhos compõem os acervos da Pinacoteca de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar. É dele o painel “O 4 elementos”, que possui vinte metros de comprimento – talvez a maior gravura feita no Brasil – e foi exposto pela primeira vez na VIII Bienal do MERCOSUL, em 2009.

Nascido em Crateús, na divisa entre o Ceará e o Piauí, filho de pai ourives, mãe rendeira e neto de bordadeira, Francisco foi tecendo ao longo de sua trajetória uma técnica peculiar de gravação, reinventando essa tradicional forma de impressão e expressão gráficas, ainda comum nos sertões nordestinos.

O que conta em suas narrativas visuais? Anjos, madonas, instrumentos sagrados, símbolos, reis, guerreiros, sertanejos, indígenas, homens, mulheres, animais, plantas, palavras – tudo isso e muito mais compõem, colorido ou em preto e branco, o universo de Francisco, sua compreensão específica das coisas, do cosmo. Seus múltiplos de quatro elementos trazem o embate do artista com a vida e com a materialidade da obra: papel, tinta, madeira, instrumentos de trabalho inventados e fabricados por ele.

A religiosidade popular que possui especial presença e força operante nos sertões nordestinos (basta recordar seus inúmeros “santos” não reconhecidos pelo Vaticano) vem desde a época da colonização. Na lógica de como se deu a ocupação daquelas terras brasileiras, na disputa pela posse do latifúndio, no extermínio dos povos indígenas, na lida com o gado, no seu relativo isolamento do litoral e seu processo civilizador, vai se constituindo o catolicismo muito peculiar do sertanejo que a Igreja tenta a todo custo romanizar e não consegue.

Deste caldo, bebe Francisco. Mas também de outros: do urbano, do litoral, da sociedade de consumo. Estampas coloridas de santos e santas impressas aos milhares, anjos com feições que teimam em lembrar aqueles de conhecida grife italiana, pingentes industrializados, a estátua de padre Cícero made in China... De seu cosmo, o artista se faz cosmopolita e nos amplia a visão de mundo para além dos limites do tempo presente.

Texto de Alexandre Barbalho publicado originalmente no Observatório da Diversidade Cultural (www.observatoriodadiversidade.org.br)